domingo, 28 de junho de 2009

You are Home, where I want to go, Home..

Tanto caminho, tanto caminho...

... quando na verdade andamos à procura de uma casa.

Uma casa que fosse um areal
deserto; que nem casa fosse;
só um lugar
onde o lume foi aceso, e à sua roda
se sentou a alegria; e aqueceu
as mãos; e partiu porque tinha
um destino; coisa simples
e pouca, mas destino:
crescer como árvore, resistir
ao vento, ao rigor da invernia,
e certa manhã sentir os passos
de abril
ou, quem sabe?, a floração
dos ramos, que pareciam
secos, e de novo estremecem
com o repentino canto da cotovia.

Eugénio de Andrade

O Caminho...


O Tao () significa "caminho" ou "via"... O cabeçalho deste blog, representa portanto, o caminho pelo reino do meio (道中国).

Partida para o oriente

Existe um compasso de esperas, entre a partida e o teu olhar de pássaro coberto de medo, existe um tempo inexacto, na aridez indefinida de um adeus, vejo-te com a mão branca de nuvem, em aceno sombrio, estou de partida para uma terra invisível e verde, tudo o que eu disser são lábios de água, tudo o que eu disser é uma memória inanimada (mas digo), procura uma forma não inventada, procura uma ave frágil que seja o lugar da ausência no coração, um segredo sussurado no abraço das tardes, um corpo repleto de mágica violência, ignoro a distância que tenho entre o sangue e a água, ignoro se a luminosidade das velas pandas me susterá, mas o vento acende-se e os teus olhos apagam-se, vejo o barco inclinar-se em excessos de água, insinua-se um verbo imperfeito, e as nuvens brancas rasgam os tecidos da inevitável despedida...

Tao

道可道,非常道。
(o caminho que pode ser descrito, não é o verdadeiro caminho)

名可名,非常名。
(o nome que pode ser nomeado, não é o verdadeiro nome)

Zhong Guo

(Meio) (Reino) Ou China para os amigos, em chinês simplificado e tradicional.

Night Hawks


Night Hawks, Edward Hopper, 1942

A poesia das partidas

«Num ensaio sobre o poeta, T.S. Eliot sugeria que Baudelaire foi o primeiro artista do século XIX que soube dar expressão à beleza dos lugares de passagem e dos meios de transporte: Baudelaire... inventou uma nova espécie de nostalgia romântica, escreveu Eliot, a poésie des départs, a poésie des salles d'attente.
(...) 
Por vezes Baudelaire sonhava ir a Lisboa. Aí faria mais calor e ele, estendido ao sol, como um lagarto, ganharia novo vigor. Era uma cidade de água, mármore e luz, propícia ao pensamento e à serenidade. Mas mal acarinhara ainda esta fantasia portuguesa, logo se punha a pensar que talvez fosse mais feliz na Holanda. E, afinal porque não em Java, ou também no Báltico e ainda no Polo Norte ! (...) O Essencial não era o destino da viagem. O verdadeiro desejo era o de ir-se embora, como de resto Baudelaire concluía: Qualquer sítio! Qualquer sítio! Contanto que seja fora deste mundo!»

Alain de Botton in A Arte de Viajar.

Aparentemente as influências de Baudelaire, devem ter encontrado ouvidos na cultura portuguesa, senão do que falava Agostinho da Silva quando se referia «à poesia da vadiagem» ? Ou o que queria dizer António Variações quando cantava «Só quero ir onde não vou»?

É sempre o mesmo espírito, partir, atracção pelos lugares de passagem, pelos quartos de hotel, por um efémero que ao retirar-nos o conforto de uma casa, nos põe em contacto com a uma solidão existencialista... Edward Hopper, sabia-o bem. É como se o permanente movimento, conseguisse pôr a realidade em perspectiva, torná-la relativa, e esse vazio, essa solidão, despisse os preconceitos impostos pelo quotidiano e criasse as condições para um contacto mais genuíno com o mundo...

sábado, 27 de junho de 2009

O Silencio...

... é de ouro.

Tempos interessantes

Existe um provérbio chinês, que diz: "Possas tu viver tempos interessantes". Aquilo que à partida poderia parecer uma benção, era na verdade uma maldição... Na China medieval, a única coisa que quebrava a monotonia de uma vida ligada à terra, eram as guerras ou as revoluções sociais. Pois hoje, vivemos tempos interessantes... Estamos a assistir ao final de uma ordem mundial que durou 60 anos. O final do império belo (美国, Mei Guo), como dizem os chineses quando se referem aos EUA. O final de uma relação simbiótica que criou um híbrido chamado Chimérica. Este monstro foi criado numa estranha dinâmica, onde os chineses trabalhavam e poupavam dinheiro, para emprestar aos americanos que o gastavam em produtos chineses. Se por um lado os chineses ganhavam porque vendiam os produtos, os americanos ganhavam porque viviam bem com dinheiro emprestado a juros baratos. O problema é que não se pode viver uma vida inteira a pedir emprestado, algum dia tem de se pagar... E como dizia Churchill: “The era of procrastination, of half-measures, os soothing, of baffling expedients, of delays, is coming to a close. In its place we are entering a period of consequences...”. As consequências são a falência dos EUA, o fim do dólar e da ordem mundial que ele suporta. A única dúvida é se esse fim é ordenado ou caótico. Infelizmente para todos, o facto dos EUA não aceitarem essa inevitabilidade, torna mais provável a segunda. Os chineses sabem hoje que os americanos nunca irão pagar a sua dívida, por isso estão a tentar posicionar-se, com os seus parceiros para um mundo pós-dólar. A "nova ordem mundial" publicitada na última reunião dos G20, pelos EUA e pelo Reino Unido, não é mais do que tentar aplicar uma camada de tinta em cima de um terramoto, é mais do mesmo, e é por isso a China e outros se preparam para a nova "nova ordem mundial". Os chineses já pediram várias vezes a criação de uma nova moeda que substitua o dólar, para tentar um fim ordenado. Ninguém no mundo ocidental os ouve, e é isso que aumenta as probabilidades do fim ser caótico. Quando é que isso irá acontecer ? Alguns dizem que será, este verão, mas ninguém sabe ao certo...

O movimento...

A vizinha do quarto andar sabe que vou viajar e perguntou-me se eu não me cansava do movimento, fez a pergunta sem conseguir evitar um tom de reprovação gentil, a condescendência dos anos perante a inquietude dos mais novos, queria responder-lhe, mas pensei se era possível estar quieto como uma rocha, não será o movimento a natureza fundamental das coisas e todo o carácter estático dos objectos apenas uma ilusão, Heraclito dizia há dois mil anos que não podes tomar banho duas vezes no mesmo rio, que tudo é devir, Buda há mais tempo dizia que tudo é impermanência e vazio, se eu ficasse quieto e não lhe respondesse não continuaria o meu coração em movimento, e se este parasse não seria a minha quietude traída pelos ponteiros do meu relógio, deste e de todos os relógios do mundo que nos impedem de ficarmos quietos no passado, mundo este que cruza o espaço a velocidades inimagináveis com todos os outros planetas e estrelas, posso olhar para uma cadeira e pensar que ela está quieta mas se eu lhe deitar fogo não se transformará ela em cinza, como é que algo que não consegue permanecer pode estar quieto, toda a minha vida estive em movimento e quando morrer não vou parar porque não posso, porque me vou transformar em terra ou em fumo, e depois noutras tantas coisas como árvores ou nuvens, nem sequer as rochas estão quietas, elas movem-se só que muito devagarinho, tudo é movimento, é a nossa natureza fundamental, por isso sorri-lhe e disse, não, não me canso, e fui-me embora...

sexta-feira, 26 de junho de 2009

O espírito do viajante...

«Viajar é um acto de responsabilidade social. Em muitos casos, a minha atitude terá mais peso na teia de relações económicas entre povos do que os discursos de boas intenções de embaixadores e comitivas oficiais. Se eu decidir ficar a dormir em pequenos hotéis de condução familiar, sei que os meus euros serão inseridos na economia local e estão a ser canalizados para o desenvolvimento do país que me recebe. (...) Marco Polo soube descrever "as maravilhas do mundo" com humildade, tolerância, pasmo e exactidão. Não se encontram sinais de soberba, de arrogância, de superioridade religiosa ou de escárnio cultural no seu olhar. É essa a lição eterna e universal de Marco Polo. Viajar serve para nos descobrirmos a nós próprios e à civilização a que pertencemos, através dos outros e das civilizações a que pertencem.» 

Gonçalo Cadilhe in A Lua pode esperar

O Vagabundo

Não se pode ver, sem se aprender a ver

«For our purpose, it is enough to note that, from a Buddhist perspective, the notion of the self is the key to all else - on the grounds that one cannot understand the nature of the world or know how to respond to it positively without a realistic view of the self.

This is very different from Western religion and philosophy, which has tended to start with overall speculation about the nature of things (metaphysics) or the nature of God and has then developed an idea of the self to fit those existing ideas.

Ironically, it is modern science that has shown the folly of that approach. It recognises that an understanding of the world is always shaped by the ways in which we perceive it: we cannot get a truly "objective" view of anything.

In other words, we understand the world only by means of our own consciousness. Hence, if we do not appreciate how we look at things, we will never understand the things we are seeing»

Mel Thompson in Philosophy of Mind

terça-feira, 23 de junho de 2009

Partir...

«Em todo o começo reside um encanto
Que nos protege e ajuda a viver.
Serenos transponhamos espaço após espaço,
Não nos prendendo a nenhum como a um lar;
Ser-nos corrente ou parada não quer o espírito do mundo
Mas de degrau em degrau elevar-nos e aumentar-nos.
Mal nos habituamos a um círculo de vida,
Íntimos, ameaça-nos o torpor;
Só aquele que está pronto a partir e parte
Se furtará à paralisia dos hábitos.»

Hermann Hesse

Mapa


Ver China 2009 num mapa maior

BARAKA

BARAKA is an ancient Sufi word, which can be translated as "a blessing, or as the breath, or essence of life from which the evolutionary process unfolds."